segunda-feira, 5 de março de 2012

Saúde e doença no Novo Testamento
A cura do cego de nascença

O capítulo nono do Evangelho de São João relata o encontro de Jesus com um cego de nascença enquanto caminhava nos arredores do templo (Jo 9, 1–41). Há notícias de que a cegueira era extremamente comum no Oriente Médio. Nos textos bíblicos, fala-se sobretudo de dois tipos de cegueira. A oftalmia, doença altamente contagiosa, agravada pelos raios do Sol, pela poeira e pela areia sopradas do deserto e pela falta de higiene. Outra forma mencionada é a cegueira senil, que resulta do avançar dos anos. De acordo com o relato evangélico, são os discípulos que, em primeiro lugar, percebem a presença do cego e propõem uma questão a Jesus.
A dúvida dos discípulos, ao encontrarem o cego, é de ordem teológica. “Quem pecou para que ele nascesse cego?” (Jo 9, 2). Seguindo a teologia tradicional, os discípulos propõem a Jesus uma pergunta: Teria o homem pecado ou teriam sido seus pais? (Jo 9, 2), pois havia a compreensão de que o pecado dos pais poderia prejudicar os descendentes, por várias gerações. Essa forma de compreender foi objeto de questionamento e de confronto com Jesus em várias ocasiões.
A resposta de Jesus aos discípulos é clara: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas é uma ocasião para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9, 3). Cristo interrompe a tradição de vincular doença e pecado e oferece aos discípulos, aos fariseus, aos judeus, aos familiares do cego e ao próprio cego uma catequese sobre sua missão. Jesus apresenta--se como “luz do mundo” e luz que se manifesta pelas obras que realiza. Essa experiência permite que o próprio cego se transforme em discípulo.
Jesus e os doentes: a saúde se difunde sobre a Terra

O anúncio da missão de Jesus na sinagoga de Nazaré inclui “a recuperação da vista dos cegos” (Lc 4, 19). No entanto, em toda ação de Jesus, percebemos inúmeros gestos de quem está preocupado em recuperar a saúde, não apenas no aspecto biológico, mas ajudando o ser humano a ter uma vida digna, saudável e reintegrada à sociedade, porque a doença significava exclusão social. Diz o Evangelho:
Jesus percorria toda a Galileia ensinando nas sinagogas deles, anunciando a boa-nova do Reino e curando toda espécie de doença e enfermidade do povo (Mt 4, 23).
Jesus não tem só poder de curar, mas também de perdoar pecados: ele veio curar o homem inteiro, alma e corpo; é o médico de que necessitam os doentes. Sua compaixão para com todos aqueles que sofrem é tão grande que Ele se identifica com eles: “Estive doente e me visitaste” (Mt 25, 36). Seu amor de predileção pelos enfermos não cessou, ao longo dos séculos, de despertar a atenção toda especial dos cristãos para com todos os que sofrem no corpo e na alma. Esse amor está na origem dos incansáveis esforços para aliviá-los.
Bom samaritano: paradigma do cuidado

A parábola do bom samaritano é entendida como paradigma do cuidado. Mesmo que sejam possíveis outras interpretações, parece-nos oportuno evidenciar, nesse contexto da Campanha da Fraternidade, o bom samaritano como uma figura emblemática para o cuidado que se espera da parte dos profissionais e servidores da saúde.
A parábola ajuda a pensar sobre a solidariedade, como também acerca da vulnerabilidade a que todos estamos condicionados desde a criação. De fato, os dois relatos da criação do homem e da mulher, de alguma maneira, nos remetem a essa ambiguidade que nos constitui. O primeiro relato sublinha a dignidade humana. Nós somos imagem e semelhança de Deus. Manifestamos, uns para os outros, a presença de Deus. O segundo relato lembra a matéria de que somos feitos: do húmus, do barro da terra. Assim, temos a dignidade de Deus, mas somos modelados pela fragilidade, pela precariedade. Carregamos a marca da criaturalidade, ou seja, da dependência, e não da autossuficiência. Ninguém vive sozinho!
A parábola do bom samaritano nos lembra a condição de fragilidade humana, mas também indica que os seguidores de Jesus devem descobrir a importância do cuidado. Este é, de fato, o apelo do texto evangélico: reconhecer a condição de fragilidade e de vulnerabilidade de todo ser humano e libertar do temor da proximidade sanadora do outro. A fragilidade somente se cura mediante a proximidade daquele que se dispõe a cuidar do debilitado. Cuida-se da própria vulnerabilidade quando se consente a proximidade do outro.A figura do bom samaritano assume a condição de modelo para a ação evangelizadora da Igreja no campo da saúde e no campo da defesa das políticas públicas.
O sofrimento humano e o mal
A teologia cristã ilumina essa realidade proclamando que o Criador é bom, que tudo o que criou se reveste de bondade. Em consequência, a existência é essencialmente um bem. Se há sofrimento e males, a causa é a ausência de um bem, ou de bens, do qual a realidade ou o ser humano se encontram privados.
A privação é fruto das relações injustas estabelecidas pelo ser humano. Contudo, se constitui em um caminho para o encontro com o Deus misericordioso que espera ansioso pelo retorno do filho para devolver-lhe a dignidade e o sentido para a existência com seu amor acolhedor. A partir desse gesto, instaura-se um processo de diálogo edificante e iluminador para a realidade histórica e existencial do ser humano (Lc 15, 8–31).
O amor, fonte mais rica do sentido do sofrimento

A grande luz sobre a realidade misteriosa do sofrimento humano provém do amor divino, fonte mais rica de sentido para essa experiência. Cristo, a encarnação desse amor, nos introduz nesse mistério e nos conduz ao manancial mais profundo e definitivo de sentido. Para tanto, é necessária a abertura incondicional do ser humano à luz da Revelação, mediante o encontro com o Enviado de Deus, que, na cruz, responde às perguntas decisivas para a existência humana, especialmente sobre o mal e o sofrimento.
Cristo foi solidário com a dura realidade do sofrimento humano, pois o assumiu em livre obediência ao Pai. No exercício de sua missão, é evidente a presença do sofrimento no cansaço, nas hostilidades, na perseguição, nas tramas para a sua morte, na traição, na prisão, na condenação, na flagelação, na crucificação. Cristo vivenciou o sofrimento em intensidade tal que realizou em si a profecia de Isaías, no quarto Canto do Servo Sofredor, tornando-se “o homem das dores... em quem o Senhor fez cair as culpas de todos nós (Is 53, 3–6)”. No entanto, o amor profundo O impulsionou a cumprir fielmente a obra do Pai.
Fonte: construirnoticias.com.br

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